1957
Brasil, São Paulo
Fato RelevanteIdiomas disponíveis
Português
Colaborador
Vanessa Brito Passos
SÃO PAULO TEM UM ZONEAMENTO
"Por uma lei de 4 de julho, o prefeito de São Paulo estabeleceu, revolucionariamente, o zoneamento da capital paulista. Poder-se-ia dizer que neste ano, em que São Paulo atinge a três milhões de habitantes, é muito tarde para lançar-se essa lei. Mas, raciocinando, não seria muito pior que isto acontecesse daqui a dez ou vinte, ou ainda trinta anos? Naturalmente, sim. A necessidade do zoneamento em São Paulo com a fixação de uma densidade de habitação, deveria ter sido considerada pelo menos em 1930, ou em 1927, para nos colocarmos precisamente há três décadas antes.
Mas, nunca é tarde para termos uma lei como essa, eis que ela interfere no tempo, e o tempo flui. O que passou, já perdemos para trás, e não se recupera. Mas há sempre oportunidade de se impedir, de futuro, os erros que vieram acumulando seus graves danos na nossa contínua falta de previsão. Corajosamente, portanto, a lei de 4 de julho de 1957, marcará uma época. Não é mais ocasião para se discutir o que nela ficou estabelecido. Na verdade, estamos enfrentando um fato consumado, fato que há longo tempo germinou e passou sob as vistas de toda a população, dos legisladores municipais inclusive, sem que houvesse reparo maior ao que estava no bojo dessa legislação.
Agora, temos pela frente a lei de zoneamento. Repetimos, não é o momento para discussão alguma nem importa que nas reuniões da Comissão Orientadora do Plano da Cidade, houvesse votos contrários a pormenores ali fixados. Compreendemos que os interesses feridos, nestas alturas, estejam dispostos, ainda, a empreender uma luta feroz, contra a lei em questão, mas é muito tarde para se atentar contra a sua letra, e o que ela exprime serve, admiravelmente, ao futuro da cidade. Seria muito interessante que tivéssemos uma lei de zoneamento desse tipo há mais tempo. No entanto, a grita dos que se acham contra a lei, agora, demonstra a inconsciência com que se acompanhou a sua formulação, tanto que não houve discussão alguma a propósito.
Queremos mencionar a lei de zoneamento, nestas linhas iniciais, para chamar atenção para o texto, que publicamos em nosso noticiário, ao fim deste numero. São Paulo, afinal, chegou a uma conclusão acerca da densidade de habitação - cessa com esta lei o "empilhamento humano" que vínhamos combatendo, há tanto tempo, inutilmente.
O primeiro objetivo, e o mais importante desta lei, é que se ataca o problema dos serviços públicos, em espantosos "déficits", atualmente, em nossa capital. Por outra conseqüência, dá-se ao desenvolvimento urbano uma contenção violenta, mas necessária, porquanto, somente com a medida limitadora da densidade habitacional colocamo-nos em possibilidade de previsão para qualquer serviço urbano. Águas, esgotos, comunicações, etc., tornam-se previsíveis. Até agora, estava "a cidade que mais cresce no mundo" nas mãos dos que a construíram, sem medida e sem restrições. A lei de zoneamento corta essa licenciosidade. Cercêa a libertinagem das construções de qualquer gabarito, com o "empilhamento humano" conseqüente.
É certo que a lei de zoneamento vai ter adversários. Escrevemos a alguns dias apenas, após a sua publicação, e não parece ter havido ainda suficiente conhecimento do assunto, nem como coação necessária aos delírios da construção da cidade, para a qual havia quem preconizasse os cinquenta andares como coisa "corriqueira", em qualquer nesga de terra.
Venceu, finalmente, o ponto de vista do urbanismo racionalmente voltado para as soluções efetivas, as soluções técnicas, capazes de corrigirem a inabitabilidade a que íamos chegando, a passos rápidos... Esse ponto de vista, liderado na Comissão Orientadora do Plano da Cidade, pelo urbanista professor Luiz de Anhaia Melo, venceu a tendência dos que julgavam a cidade um feudo a levantar lucros sobre quaisquer retalhos de terreno. As repercussões da lei de zoneamento serão benéficas: elas ferem de frente a especulação e terminam um ciclo da "terra sem lei", que vínhamos sofrendo, num ritmo assustador de iniciativas despoliciadas."
Fonte(s): Revista Habitat. Nº 43, jul-ago 1957.
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