1958
França
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Português
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Ícaro Vilaça
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"A Internacional Situacionista (IS) – grupo de artistas, pensadores e ativistas – lutava contra o espetáculo, a cultura espetacular e a 'espetacularização' em geral, ou seja, contra a não-participação, a alienação e a passividade da sociedade.
O principal antídoto contra o espetáculo seria o seu oposto, a participação ativa dos indivíduos em todos os campos da vida social e principalmente naquele da cultura.
O interesse dos situacionistas pelas questões urbanas é uma conseqüência dada por estes ao meio urbano como terreno de ação, de produção de novas formas de intervenção e de luta contra a monotonia, ou ausência de paixão, da vida cotidiana."
Internacional Situacionista (IS nº1), 1958:
"QUESTÕES PRELIMINARES À CONSTRUÇÃO DE UMA SITUAÇÃO
A construção de situações começa após o desmoronamento moderno da noção de espetáculo. É fácil ver a que ponto está ligado à alienação do velho mundo o princípio característico do espetáculo: a não-participação. Ao contrário, percebe-se como as melhores pesquisas revolucionárias na cultura tentaram romper a identificação psicológica do espectador com o herói, a fim de estimular esse espectador a agir... A situação é feita de modo a ser vivida por seus construtores. O papel do "público", senão passivo pelo menos de mero figurante, deve ir diminuindo, enquanto aumenta o número dos que já não serão chamados atores mas, num sentido novo do termo, "vivenciadores".
Relatório sobre a construção de situações
O nosso conceito de "situação construída" não se limita a um uso unitário de meios artísticos que formem uma ambiência, por maiores que sejam a extensão espaço-temporal e o dinamismo dessa ambiência. A situação é, concomitantemente, uma unidade de comportamento temporal. É feita de gestos contidos no cenário de um momento. Gestos que são o produto do cenário e de si mesmos. Produzem outras formas de cenário e outros gestos. Como orientar essas forças? Não é o caso de nos contentarmos com ensaios empíricos de ambientes dos quais, por provocação maquinal, se esperam surpresas.
A orientação realmente experimental da atividade situacionista consiste em estabelecer, a partir de desejos reconhecidos com maior ou menor clareza, um campo de atividade temporária favorável a esses desejos. Só o seu estabelecimento pode esclarecer os desejos primitivos e o aparecimento confuso de novos desejos cuja raiz material será a nova realidade constituída pelas construções situacionistas.
Logo, é preciso visar a um tipo de psicanálise com objetivos situacionistas, e cada participante desta aventura deve encontrar desejos precisos de ambiências para realizá-los ao contrário dos objetivos buscados pelas correntes freudianas. Cada um deve procurar o que ama, o que o atrai (e mais uma vez, ao contrário de certas tentativas da escrita moderna - Leiris, por exemplo -, o que importa não é a estrutura individual de nosso espírito, nem a explicação de sua formação, mas sua aplicação possível nas situações construídas). Por esse método é possível fazer o levantamento dos elementos constitutivos das situações a construir: projetos para o movimento desses elementos.
Tal pesquisa só tem sentido para indivíduos que trabalhem praticamente no intuito de construir situações. Todos eles são, de modo espontâneo ou consciente e organizado, pré-situacionistas, isto é, indivíduos que perceberam a necessidade objetiva dessa construção através de uma mesma sensação de carência da cultura e das mesmas expressões da sensibilidade experimental imediatamente anterior. Estão ligados por uma especialização e por pertencerem a uma vanguarda histórica dessa especialização. Logo, é provável que em todos haja muitos temas comuns do desejo situacionista, que se diversificarão quando passarem à fase de atividade real.
A situação construída, por sua preparação e seu desenrolar, é forçosamente coletiva. Pode porém ocorrer que, pelo menos no período das experiências iniciais, um indivíduo exerça, em dada situação, uma certa predominância, faça o papel de roteirista. A partir de um projeto de situação, elaborado por uma equipe de pesquisadores, que marque, por exemplo, uma reunião emocionante de algumas pessoas, será necessário fazer uma distinção entre o diretor ou roteirista - encarregado de coordenar os elementos prévios de construção do cenário, bem como de prever algumas intervenções nos acontecimentos (este último procedimento pode ser repartido por vários responsáveis mais ou menos cientes dos planos de intervenção dos outros) - e agentes diretos que vivam a situação, depois de ter participado da criação do projeto coletivo e trabalhado para a composição prática da ambiência, bem como de alguns espectadores passivos, estranhos ao trabalho de construção, que deverão ser reduzidos à ação.
Naturalmente a relação entre o diretor e os "vivenciadores" da situação não será uma relação entre especialistas. É apenas uma subordinação momentânea da equipe de situacionistas ao responsável de uma experiência isolada. Essas perspectivas, ou seu vocabulário provisório, não devem levar a crer que se trata de uma extensão do teatro. Pirandello e Brecht mostraram a destruição do espetáculo teatral, e algumas reivindicações que vão mais além. É possível dizer que a construção de situações só substituirá o teatro no mesmo sentido em que a construção real da vida substituiu cada vez mais a religião. Visivelmente o principal domínio que vamos substituir e realizar é a poesia, que se consumiu na vanguarda de nosso tempo e desapareceu completamente.
A realização completa do indivíduo, assim como na experiência artística que os situacionistas descobrem, passa forçosamente pela dominação coletiva do mundo; antes dela, ainda não há indivíduos, e sim fantasmas assombrando as coisas que lhes são confusamente oferecidas por outros. Encontramos, em situações esporádicas, indivíduos isolados que seguem ao acaso. Suas emoções divergentes se neutralizam e mantêm o sólido ambiente enfadonho que os cerca. Destruiremos essas condições ao fazer incendiário de um jogo superior.
Em nossa época o funcionalismo, que é uma expressão necessária do avanço técnico, procura eliminar completamente o jogo, e os adeptos do industrial design queixam-se da deterioração de sua ação pela tendência ao jogo demonstrada pelo homem.
Essa tendência, baixamente explorada pelo comércio industrial, logo põe em xeque os resultados mais úteis, exigindo sempre novas apresentações. Estamos certos de que não é preciso estimular a contínua renovação artística das geladeiras. Mas o funcionalismo moralizador não consegue mudar essa situação. A única saída progressiva é liberar noutro nível, e de modo mais amplo, a tendência para o jogo. Sem isso, as ingênuas invectivas da teoria pura do desenho industrial não modificarão o grave fato de, por exemplo, o automóvel individual ser sobretudo um jogo idiota e, acessoriamente, um meio de transporte. Contra todas as formas regressivas do jogo, que são o seu retrocesso a estágios infantis - sempre ligados às políticas de reação -, é preciso apoiar as formas experimentais de um jogo revolucionário."
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