1957
Brasil, Distrito Federal
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Cidades Novas
Colaborador
Karine Souza
Citado por: 1
O projeto liderado por João Vilanova Artigas, classificado em 5º lugar, tinha em sua equipe os arquitetos Carlos Cascaldi, Mário Wagner Vieira da Cunha e Paulo de Camargo e Almeida. Como colaboradores estavam os arquitetos Heitor Ferreira de Souza, Júlio Roberto Katinsky, Mário Alfredo Reginato e Ubirajar Gilioli. Além disso, também participaram na equipe especialistas em variadas áreas como história, geografia, agricultura, energia elétrica, higiene, entre outros.
O plano da equipe de Artigas foi divulgado em diversos periódicos da época como Módulo, Habitat, Brasília e Acrópole. O memorial descritivo está disponível só para consulta no acervo da coleção de obras raras da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
Aline Moraes Costa Braga, 2011
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A equipe de Artigas encontra-se entre os grupos que deram maior atenção às projeções do desenvolvimento regional e detalharam estudos para vários aspectos da evolução da nova capital, optando por um projeto de baixíssima densidade e buscando uma relativa união entre a área urbana e rural através de grandes espaços "verdes". Tais elementos são trabalhados de forma semelhante por Wright , como preocupação em restabelecer ao homem a harmonia do contato com a natureza, perdido com a era industrial. A natureza é vista por Wright como um meio contínuo onde todas as outras funções estão dispersas, em unidades reduzidas. Um exemplo é seu projeto urbano para Broadacre City, onde enfatiza sua preocupação com a periferia das cidades, realizando o casamento, em baixa densidade, entre o subúrbio e o campo; nele cada cidadão surge simultâneamente como urbanista e agricultor. Essa visão de Wright ficava explícita em seus relatos. [...]
Outra influência importante que podemos identificar no trabalho de Artigas apareceu a partir de 1944 quando seus projetos começam a assimilar os padrões do racionalismo arquitetônico, não só pela feição geométrica de suas formas, mas também pelo apuro técnico e construtivo e, sobretudo, pelo desenvolvimento das estruturas de concreto e regularização dos acabamentos e padronização das esquadrias.
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Sobre as influências exercidas por Le Corbusier no projeto de Brasília podemos identificar a utilização da Carta de Atenas como uma espécie de manual de referência para a elaboração do plano piloto. Uma das evidências é o sistema de circulação principal da cidade, subdividido em cinco classificações viárias, mesma terminologia usada por Le Corbusier (cf. Evenson, 1973, p.137-138).
"O plano da equipe de Cascaldi apresenta-se com zonas claramente definidas, mas não configuradas como núcleos isolados e sim subordinadas a uma malha única de circulação viária. Esta, com porções diferenciadas, porém contínuas, configurou de circulação para estruturação urbana e para a diferenciação de seus setores. O papel estrutural da malha seria reforçado peça sua definição geométrica constrastada com os contornos da natureza local destacados pela subordinação ao desenho sinuoso dos cursos d'água da configuração dos jardins interiores da cidade e, consequentemente, da trama de circulação dos pedestres. Foram, assim, obtidos, lugares com feição particular dentro de uma estrutura regular. O plano piloto da equipe de Cascaldi aproxima-se, nesse sentido da solução de Chandigarh, como nos opinou Júlio Katinsky, colaborador do projeto. Cabe ressaltar a semelhança entre os dois projetos também à que se refere a vida local e situado num dos bordos da cidade, ressalvando-se que, no caso do plano brasileiro, a sede dos poderes supremos ainda participaria da malha, numa das suas porções diferenciadas, e associar-se ia a um grande conjunto dedicado às atividades de interesse não só da cidade, mas regional e nacional também, o qual incluiria ainda o centro cultural e municipal, o centro comercial, onde atividades governamentais complementares também foram propostas, e o grande parque nacional repleto de equipamentos especiais " (Braga, 1999, p.151-152).
Segundo Braga (1999), a opção da equipe de Cascaldi pela configuração de três grandes zonas residenciais baseadas cada qual numa só tipologia, não favoreceria a coabitação das pessoas com perfis diferentes, em princípio desejável. A radical especialização dos setores de habitação desse plano piloto seria reforçada por aquilo que parece ser o seu maior problema: a extensão exagerada da cidade, decorrente da baixíssima densidade de 50 habitantes por hectare das zonas residenciais, que afastaria as diferenças. As dimensões previstas pela cidade escapavam ao senso comum.
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É notória a insatisfação manifestada por Artigas com o projeto de sua equipe, em toda a sequência de sua vida profissional, após o Concurso. Em entrevista dada à autora (julho, 2000), Júlio Camargo Artigas, filho de arquiteto, declarou que o pai concordava com a escolha da ideia urbanística apresentad por Lúcio Costa: "O assunto do Concurso nunca foi muito comentado em casa, meu pai não gostava do seu projeto, achava-o demasiado limitador, acreditava que Lúcio tinha sido uma melhor opção". No entento, a preocupação com o desenvolvimento regional resultou em estudos relevantes para vários aspectos da evolução da nova capital.
A predominância dos elementos ordenadores formais cartesianos e a ocupação vasta do solo levaram a cidade para longe da represa. Segundo a avaliação do júri:
"Plano Piloto nº1
Autores: Carlos Cascaldi, João Vilanova Artigas, Mário Wagner de Oliveira e Paulo Camargo e Almeida.
Suposições: Plano de desenvolvimento para vinte anos: população de 550000 pessoas, das quais 130000 funcionários públicos.
348000 em casas
145000 em apartamentos 42000 em casa arrendadas
propriedade governamental e arrendamento da terra
Críticas:
1. Zonas residenciais demasiado uniformes
2. Má circulação das residências para a sede do governo e centro cívico
3. Boa solução para as centrais ferroviária e aeroviária, mas duvidosa quando à rodovia, sendo necessárias três pontes.
4. O centro governamental não faz uso do lago
5. Oportunidades topográficas perdidas: casas na arte mais elevada, sem relação com o local.
6. Onde estão as embaixadas e consulados? Os centros de rádio e de TV?
7. Densidade muito baixa, área construída enorme: 50 pessoas por hectare.
Vantagens:
1. Boa apresentação: claro: decisivo.
2. Boa solução da economia rural
3. Destaque ao sistema arrendatário (Módulo, 1957, p.16).
Algumas abordagens decorrentes dessas escolhas demonstravam questões predominantes do plano. O desenvolvimento regional e o cuidadoso estudo sobre a ocupação rural e de sua respectiva comunidade demonstram o objetvo da equipe em trabalhar o geral para chegar ao específico. Existia uma preocupação com os menos favorecidos, como por exemplo, o local onde morariam os candangos e a sua absorção pela cidade ou ainda, a garantia de formação de qualidade para aos trabalhadores do campo.
Associadas a essas outras peculiaridades marcavam esse projeto. Diferentemente dos outros planos, ele desenvolveu uma separação física entre o centro comercial e o centro governamental. Ao adotar tal postura a equipe praticamente equaliza as duas funções, causando estranheza aos seus observadores e, principalmente, ao jurados, cujo raciocínio lógico vinha da questão "o que mais se pode esperar de uma capital administratica senão que ela destaque as funções administrativas". Podemos citar aqui a influência da trajetória de Artigas pelo PCB. É possível notar que a preocupação com o "povo" e sua qualidade de vida, destinada a ser bucólica para ser melhor, supera o vai-e-vem burocrático e as escalas monumentais dos edifícios públicos. A representação política da capital como almejada se daria principalmente na maneira de exercer esse poder.
Naturalmente um plano cartesiano e repetitivo possibilitaria uma implantação mais rápida e eficiente. Considerando o prazo de um mandato presidencial (quatro anos) para a construção de uma cidade isso não era um fator a se descartar. O fato de ter um núcleo gerador já definido possibilitava um crescimento radial a partir da confluência dos setores da cidade num desenvolvimento bastante pertinente (cf. Wilheim, 1960, p. 23-53).
Comentário a respeito do Memorial Descritivo:
Como introdução ao memorial descritivo, os autores apontavam para a necessidade de Brasília representar a capital política do país. Mostravam a importância da localização dessa nova capital e como a circulação aérea e terrestre deveria ser ponto imprescindível para estruturar uma disposição mais harmônica da população até o centro-oeste brasileiro. No entanto, a possibilidade de um grande desenvolvimento urbano não deveria representar a construção de um polo industrial, turístico e comercial como aconteceu no Rio de Janeiro, devido ao aspecto prejudicial que traria um deslocamento em massa. Consequentemente, Brasília deveria ter um tamanho mínimo e apenas os serviços condizentes aos seus habitantes, prodominantemente servidores públicos. Os autores idealizavam Brasília como uma cidade administrativa com clima propício ao desenvolvimento dos trabalhos concernentes à capital política do país, "clima intenso e sério de trabalho".
Calcularam para Brasília uma população de 550.000 habitantes, bem maior que os granndes centros vizinhos como Goiânia e Anápolis, ambas com 50.000 habitantes, o que representaria um grande mercado consumidor para o desenvolmento industrial direcionado, entretanto, às cidades vizinhas à capital.
A importância da construção de uma cidade como Brasília deveria representar o rompimento com as características coloniais da economia brasiliera, melhorar as condições de vida da população do interior e aproximar pontos extremos do país.
"Também se faziam construções importantes sobre a chamada população construtora, constituída pelos operários encarregados da construção da cidade, por definição integrante da população derivada. Chamava-se atenção para os problemas relativos ao alojamento dessa população no início da construção em massa da cidade e ao seus destino após o término desse período. Ao constrário dos outros setores da população, que aumentariam com o crescimento da cidade, a população construtora diminuiria na medida de sua conclusão. Quanto ao problema do destino, trataram das possibilidades da transferência desse contigente para outras atividades operárias, rurais ou urbanas, concluindo que 30.000 trabalhadores da construção civil poderiam ser futuramente absorvidos pela economia do Distrito Federal. Previram que 5.000 permaneceriam na própria construção civil, conforme o índice normal dessa ocupação numa cidade qualquer, 2.500 deixariam a nova capital e os demais 22.500 seriam absorvidos em diversos campos de trabalho operário. Quanto ao problema do alojamento, definiram que fosse previsto todo um setor da cidade para recolher em definitivo essa população, evitando-se assim a criação de uma cidade paralela, dificilmente provisória. Seria a primeira parte a ser construída, destinando-se com o passar do tempo à área residencial da zona industrial, cujo caráter seria apropriado para a maioria da população construtora, quando transferida para as novas ocupações urbanas.
A zona residencial industrial teria capacidade para 42.000 pessoas, incluindo os trabalhadores e seus familiares." (Braga, 1999, p.120-121).
"As zonas residenciais foram projetadas homogêneas, cada qual com sua tipologia exclusiva, para que fossem facilitados os controles de arrendamentos e a legislação de caráter urbanístico e arquitetônico. Todas as unidades de vizinhança contariam com parques infantis, escolas de ensino primário e médio, centros de saúde, áreas livres para recreação e esportes, cinemas, escolas, bibliotecas, comércio, artesanato e mercados locais e um Centro Cívico da Comunidade, para que a população tivesse representação de seus interesses perante os órgãos centrais dos serviços técnicos e da administração da cidade. Os autores recomendavam preços de arrendamento nas zonas residenciais mais elevados, próximos ao conjunto do lago, e mais baixos na direção da zona industrial, de modo a acomodar a gradação social. As residências dos corpos diplomátics estrangeiros, como dos servidores públicos civis e militares de alto escalão, foram previstas localizadas livremente pelas variadas unidades de vizinhança, de acordo com os desejos individuais. Acreditavam que desse modo seriam favorecidas as relações entre as pessoas de destaque com o resto da população, assim como o intercâmbio dos estrangeiros com os brasileiros" (cf. Braga, 1999, p.125).
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A previsão de crescimento dar-se-ia em quatro etapas. Para evitar a especulação imobiliária e garantir o melhor uso do solo, sugeriram um programa de arrendamento das terras urbanas e rurais. Lembravam que a propriedade pública de todas as terras de uma cidade e seu arrendamento para o uso particular feito pelo estado eram recomendados pela Carta de Atenas.
BRAGA, Aline. (IM)POSSÍVEIS BRASÍLIAS: Os projetos apresentados no concurso do Plano Piloto da Nova Capital Federal. São Paulo: Alameda, 2011. 402p.
BRAGA, Milton. O concurso de Brasília; os sete projetos premiados. São Paulo, 1999. 164 p. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
MÓDULO. Edição especial: Brasília, a nova capital do Brasil: Aeroplano Editora, IPHAAN, 2000, 286 p.
WILHEIM, Jorge. Plano piloto de Brasília. Habitat, nº 40-41, p. 19-29, mar/abr, 1957.