1985
Brasil, Distrito Federal
PublicaçãoIdiomas disponíveis
Português
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Planejamento Urbano
Colaborador
Larissa Grazielle Silva dos Santos
Citado por: 1
Inicialmente, Ricardo L. Farret com "O Estado, a questão territorial e as bases da implantação de Brasília" (1985) questiona sobre os reais motivos que levaram a implantação de Brasília somente nos anos 50, quando a ideia original persistia desde 1789 e discute as condições do processo de produção capitalista e os fundamentos das politicas urbano-territoriais que tornaram a realização da nova capital viável e, talvez, necessária nos anos 50.
Através de uma incursão de aspectos da história brasileira e fundamentos teóricos, estes últimos, principalmente, os desenvolvidos por Max Weber ao estudar os modelos de cidades, Benício V. Schmidt em "Brasília como centro político" (1985) vai além do extenso debate sobre a realização de Brasília como capital que se inicia no século XVIII, o autor nos leva a compreender que por temer possíveis invasões estrangeiras e pela necessidade de ocupar o centro do território nacional, as elites politicas e econômicas uniram-se em favor da criação de uma nova capital, e não pura e simplesmente na construção de um centro urbano.
O caráter político da transferência da capital, até o momento, atrelados a questões históricas e econômicas, no ensaio "O processo de Urbanização e a produção do espaço metropolitano de Brasília" (1985) de Ignez C. B. Ferreira será evidenciado na condução da urbanização do país. Para a autora, Brasília guarda em sua organização interna a particularização dos processos sociais que estão na base da própria urbanização do Brasil.
Em 1985, ano de publicação da coletânea, a Brasília descrita seria a expressão espacial do processo de urbanização brasileira e com uma área metropolitana delimitada, à semelhança das demais metrópoles do país, diferindo-se apenas, como defende Aldo Paviani em "A metrópole Terciária" (1985), quanto ao povoamento polinucleado, com ocupação dispersa e quanto à dinâmica e peso de intervenção do Estado nesse processo. Tipo de povoamento que culminou em uma crescente aglomeração urbana para além do Plano Piloto, crescimento que escapou da previsão dos planejadores, resultando em um padrão centralizado de oportunidades de trabalho e renda mais elevados e em uma população majoritária muito carente de infraestrutura física e social habitando as cidades satélites.
Com o aumento populacional a pressão sobre a oferta de bens e serviços e, principalmente, sobre a habitação foi intensificada. Para Suely F. N. Gonzales em "As formas concretas da segregação residencial em Brasília" (1985) o problema habitacional como fenômeno de segregação sócio-espacial torna-se latente em Brasília no período entre 1970 e 1976 por duas razões: a) o papel da produção da Sociedade de Habitações de Interesse Social (SHIS) que agia com o propósito de desafogar a pressão dos altos preços da habitação no Plano Piloto; b) o período de intensificação da demanda habitacional pela imigração. À medida que as áreas urbanas se expandiram, intensificou-se a ocupação prematura das cidades satélites como resposta à demanda real de habitação daqueles que não possuíam viabilidade de consumo das habitações do Plano Piloto, tendo como consequência a disparidade da qualidade das habitações e dos padrões urbanos de infraestrutura de rede e serviços entre o Plano Piloto e os núcleos satélites.
Tais problemas urbanos denunciaram em Brasília contradições internas que não eram apenas oriundas da formação social brasileira, exógenas, ou seja, estranhas ao que de fato foi planejado em sua origem, para Paulo Bicca em "Brasília: mitos e realidades" (1985) tais contradições já estavam escritas desde o momento em que a nova Capital foi idealizada e não apenas a partir da inauguração. Em conformidade com a ideologia que alimentava o Plano Piloto, Brasília foi considerada como uma cidade integralmente planejada, aos moldes da Carta de Atenas, assim, sempre que a mesma era vista como objeto de critica, uma censura necessária era instituída, visto que o fracasso da criatura seria em parte o fracasso do criador e da ideologia em que foi envolta a criação. A capital torna-se a consagração ou, no mínimo, ponto de partida do suposto projeto nacional, resultado de um urbanismo racionalista, "máquina de morar" e taylorizada, planejada para o trabalho ordenado e eficiente.
Buscando compreender as dadas "distorções" no projeto arquitetônico reflexo da "vida" em Brasília, Frederico de Holanda em "A morfologia interna da Capital" (1985) ao estudar o urbanismo da cidade, a maneira pela qual as pessoas constroem seu círculo de convívio e os modos de apropriação do espaço, a partir do estudo de determinados lugares da cidade, tais como a Esplanada dos Ministérios, a Praça dos Três Poderes, o Setor Comercial Sul, a Plataforma Rodoviária, o Parque da Torre, a Superquadra Norte 405/406 e o Paranoá, notou o esvaziamento dos espaços abertos de uso coletivo e sugeriu tal tendência como sendo reflexo da materialização de aspectos políticos, o controle instrumental sobre o espaço através de agentes da máquina do Estado, como também de aspectos ideológicos e mais além disto, fruto da própria morfologia física e da estrutura de localização das atividades no tecido da cidade, ou seja, inerente à própria natureza da capital.
Sobre a morfologia urbana da Brasília dos anos 80, Maria E. Kohlsdorf em "As imagens de Brasília" (1985) a descreve como um tecido descontínuo e heterogêneo, composto por núcleos morfologicamente distintos e fisicamente distantes, porém vinculados como partes complementares de um todo, no qual assumem funções diversificadas. Ao compreender a morfologia da capital como sendo oriunda de diferentes relações de produção do espaço e retrato de distintas formas de gerência do mesmo, a autora identifica o Plano Piloto, os alojamentos de obra, as cidades satélites e as invasões como morfologias decorrentes da ação do Estado, ainda que algumas delas tenham se manifestado a revelia dos planejadores. Assim, compara e analisa tais morfologias com o auxílio de categorias de análise de configuração urbana, como sítio físico, silhuetas, planta baixa, tipologia de edificações e a estrutura interna dos espaços, objetivando investigar características particulares capazes de oferecer elementos fundamentais para constituir a formação imagética da Capital Federal.
Seguindo com a abordagem das questões de percepção e apropriação da cidade, em "Imagens do espaço: imagens de vida" (1985), Lia Z. Machado e Themis Q. de Magalhães apontam que diferentemente de outras cidades, ao analisar o meio urbano de Brasília não há um desprendimento entre espaço e a avaliação do modo de vida, para as autoras o modo de vida "brasiliense" é totalmente explicado pela morfologia espacial e tudo então se torna típico, exclusivo e específico de Brasília. Assim, elas nos remetem a uma questão peculiar, por que se atribui tantas consequências à morfologia espacial de Brasília? Por que tanto dela se espera e se desespera? Para responder tal questionamento, Machado e Magalhães recorrem à análise das imagens e representações dos habitantes usuários de Brasília, diferenciados enquanto membros de "classes médias" e de "classes populares" e enquanto visões a partir do centro (Plano Piloto) e da periferia (cidades satélites) e avalia a capital como todo e qualquer espaço urbano, através dos recursos e do acesso aos equipamentos urbanos. Vista como um teste de uma concepção urbanística, procurava-se e esperava-se em Brasília uma nova sociabilidade urbana, a "cidade-utopia", vista pelos planejadores e sobre o debate intelectual como a "cidade-espaço", mas que em suas múltiplas faces não deixa de ser a "cidade-capital", erguida aos moldes e reflexo do sistema capitalista.
Finalmente, encerrando a presente coletânea, o texto "Brasília: algumas especulações prospectivas" (1985) de Luiz A. Cordeiro e Gunter R. Kohlsdorf inova ao especular sobre o que poderá ou deverá ocorrer com Brasília, tendo em vista as possíveis formas futuras de ocupação. Para os autores, concebida através dos princípios urbanísticos da Carta de Atenas, Brasília foi pensada sem a especulação de que o formalismo racional, característico da concepção urbanística presente no seu projeto, poderia ser alterado. Em 25 anos, da inauguração da capital até o ano de publicação deste ensaio, o próprio processo de ocupação desfigurou em certos traços relevantes a ideia do projeto original. Deste modo, os autores fazem especulações prospectivas tendo em vista a ação dos agentes transformadores do espaço, entre eles o poder público, o especulador imobiliário, o empreendedor individual, etc., os avaliando à luz de certas probabilidades de ocorrência e aspirações a nível de planejamento urbano.
Ricardo Líbanez Farret, 1985:
"Brasília resulta da ação deliberada do Estado sobre o território, com a intenção de eliminar obstáculos à plena socialização do espaço, obstáculos estes decorrentes de ações (ou omissões) anteriores do próprio Estado."
Fonte: FARRET, Ricardo Libanez. O Estado, a questão territorial e as bases da implantação de Brasília. In: BICCA, Paulo; PAVIANI, Aldo. Brasília, ideologia e realidade: espaço urbano em questão. São Paulo, SP: Projeto Editores Associados, Brasília, DF: CNPq, 1985. p. 17-26.
Benício Viero Schmidt, 1985:
"Brasília como resultado de uma intenção politica, vai gradativamente se encontrando com a maturação de um processo social complexo onde à diferenciação social crescente vai sendo acoplado um profundo desejo de participação política."
Fonte: SCHMIDT, Benício Viero. Brasília como centro político. In: BICCA, Paulo; PAVIANI, Aldo. Brasília, ideologia e realidade: espaço urbano em questão. São Paulo, SP: Projeto Editores Associados, Brasília, DF: CNPq, 1985. p. 27-42.
Ignez Costa Barbosa Ferreira, 1985:
"A urbanização que se intensifica no país com o surgimento de pequenos e médios centros urbanos no interior necessitava de pontos de articulação uma vez que o próprio sistema urbano se cria desarticulado. A localização territorial de Brasília é estratégia no sentido de responder à necessidade de articulação do Sudeste com o Centro-Oeste e Norte, para permitir o escoamento da produção da região, a penetração dos produtos industriais e dar infraestrutura para a penetração do capital. Brasília se constitui "ponta de lança" da região mais desenvolvida economicamente, numa região que estava se inserindo numa nova divisão de trabalho dentro do processo produtivo."
Fonte: FERREIRA, Ignez Costa Barbosa. O processo de Urbanização e a produção do espaço metropolitano de Brasília. In: BICCA, Paulo; PAVIANI, Aldo. Brasília, ideologia e realidade: espaço urbano em questão. São Paulo, SP: Projeto Editores Associados, Brasília, DF: CNPq, 1985. p. 43-56.
Aldo Paviani, 1985:
"Fica claro, portanto, que a cidade, planejada para ser fechada sob o ponto de vista do desenho urbano, desenvolve-se prematuramente sob um formato polinucleado; fora designada para ser socialmente igualitária, mas sua população vê-se submetida a desiguais encargos sociais e econômicos, metropolizando-se como qualquer outra grande cidade brasileira ou latino-americana."
Fonte: PAVIANI, Aldo. A metrópole terciária. In: BICCA, Paulo; PAVIANI, Aldo. Brasília, ideologia e realidade: espaço urbano em questão. São Paulo, SP: Projeto Editores Associados, Brasília, DF: CNPq, 1985. p. 57-80.
Suely Franco Netto Gonzales, 1985:
"O próprio Governo do Distrito Federal induziu a este tipo de ocupação dispersa e periférica, promovendo a ocupação prematura das cidades satélites para responder à demanda real de habitação das populações de renda abaixo de 5 salários míninos que, cada vez menos, encontram viabiliadade de consumo das habitações do Plano Piloto. [...]
Todo esse processo evidente de segregação tem conotações especificas na organização do espaço físico do conjunto das áreas residenciais no Distrito Federal, com uma expressão estratificante muito forte."
Fonte: GONZALES, Suely Franco Netto. As formas concretas da segregação residencial em Brasília. In: BICCA, Paulo; PAVIANI, Aldo. Brasília, ideologia e realidade: espaço urbano em questão. São Paulo, SP: Projeto Editores Associados, Brasília, DF: CNPq, 1985. p. 81-100.
Paulo Renato Silveira Bicca, 1985:
"A nova capital não seria, portanto, apenas a materialização e símbolo do nacionalismo; ela deveria ser, também a expressão ímpar do progresso feito com ordem, expressões ideológicas familiares aos militares republicanos e de uso corrente por aqueles que detiveram o poder de Estado, particularmente após 1964. [...]
Assim foi pensada Brasília, assim ela foi projetada e desejada, muito embora isso não se tenha realizado na sua forma integral e pura. Os chamados fatores humanos e as mais variadas práticas sociais conseguiram opor-se, ao menos em parte, ao exercício absoluto de um poder e de uma vontade que lhes seriam absolutamente estranhos. [...]
Brasília não é uma exceção, apesar da sua especialidade e das intenções iniciais. As transformações provocadas pela "vida", no projeto de Lúcio Costa, negando certas características do plano original, correspondem, a grosso modo, à reprodução de processos encontrados em todas as cidades constituídas por contradições semelhantes."
Fonte: BICCA, Paulo Renato Silveira. Brasília: mitos e realidades. In: BICCA, Paulo; PAVIANI, Aldo. Brasília, ideologia e realidade: espaço urbano em questão. São Paulo, SP: Projeto Editores Associados, Brasília, DF: CNPq, 1985.p. 101-134.
Frederico de Holanda, 1985:
"[...] a morfologia interna desta cidade, para além das ideias e valores da população e de qualquer eventual controle instrumental sobre o espaço, contribui de maneira específica para a materialização de um modo de estruturação social que inclui o esvaziamento dos espaços abertos e de uso coletivo. [...]
Cada passo desse processo marca uma dupla tendência: a separação física de práticas sociais distintas, antes superpostas nos mesmos lugares, e a progressiva interiorização dessas práticas no espaço fechado das edificações."
Fonte: HOLANDA, Frederico. A morfologia interna da Capital. In: BICCA, Paulo; PAVIANI, Aldo. Brasília, ideologia e realidade: espaço urbano em questão. São Paulo, SP: Projeto Editores Associados, Brasília, DF: CNPq, 1985. p. 135-160.
Maria Elaine Kohlsdorf, 1985:
"O Plano Piloto realizou de forma plena, porque mais controlada, os pressupostos modernistas; as cidades satélites desenvolveram traços de planejamento mais incertos, como medida emergencial que forma, diante da ameaça ao Plano Piloto e a seus acessos por parte de grupos de baixas rendas que insistiam, em se consolidando, em alterar a ordem do espaço e da sociedade na sede do Poder Constituído. Os acampamentos de obras relativizaram os princípios racionalistas por se terem desenvolvido e metamorfoseando através de um processo apoiado em certo grau de associatividade que vem sendo, sem dúvida, a razão de sua resistência à extinção. [...]
Esta análise mostra-nos, portanto, tendências a transformações morfológicas tais que possibilitam alterações imagéticas; conduz-nos, ainda, a refletir sobre a debilidade das características morfológicas diante da acumulação de capital e das forças politicas decisórias no planejamento. Coloca-nos diante da natureza dinâmica da imagem dos assentamentos, mas também leva-nos a indagar sobre a qualidade destas modificações. O que se pode constatar, tanto nas situações de extremas alterações, quanto naquelas de preservação às custas de alto grau de intervenção estatal, é a distância das decisões a configuração de seu habitat por parte dos grupos sociais mais numerosos e politicamente mais fracos."
Fonte: KOHLSDORF, Maria Elaine. As imagens de Brasília. In: BICCA, Paulo; PAVIANI, Aldo. Brasília, ideologia e realidade: espaço urbano em questão. São Paulo, SP: Projeto Editores Associados, Brasília, DF: CNPq, 1985. p. 161-190.
Lia Zanotta Machado e Themis Quezado de Magalhães,1985:
"E é ainda especificamente em Brasília que a "classe média" tem dificuldades de conviver com vizinhos, de estabelecer encontros espontâneos, de trocar informações e de estabelecer relações entre indivíduos de diferentes classes sociais. Só em Brasília, o indivíduo se sentiria solitário diante de "anônimos", alienado da sua cidade porque não a conhece integralmente, porque não é capaz de decifrar o sistema de endereçamento por "letras e números" e porque se sente oprimido diante de sua monumentalidade e diante da presença do Estado. [...]
Brasília não é uma "cidade grande" apenas enquanto um conglomerado de anônimos e desconhecidos entre os quais o indivíduo só circunscreve uma micrototalidade de referência, mas é a cidade dos ricos e a para os ricos que circunscreve para os pobres áreas espacialmente separadas e nas quais o Estado deixa de oferecer recursos e equipamentos."
Fonte: MACHADO, Lia Zanotta; MAGALHÃES, Themis Quezado. Imagens do espaço: imagens de vida. In: BICCA, Paulo; PAVIANI, Aldo. Brasília, ideologia e realidade: espaço urbano em questão. São Paulo, SP: Projeto Editores Associados, Brasília, DF: CNPq, 1985. p. 191-214.
Gunter Roland Kohlsdorf e Luiz Alberto Cordeiro, 1985:
"O paradoxo da questão está no fato de que racionando nos termos da Carta de Atenas ou da doutrina do formalismo racional, não existiria necessidade de especulação com futuros alternativos de núcleos urbanos, dependentes das mais diversas conjunturas.
O caso de Brasília é sintomático nesse sentido. Diversas entrevistas de seus "autores" (TV Nacional, 1983), onde colocados perante a questão do futuro de Brasília a nível de restrições e necessidade de mudança e/ou complementação ao mesmo, registram como resposta a necessidade, simplesmente de acabar por implementar o que estava proposto e de "terminar a cidade". E como só restaria terminar a cidade, não existiriam motivos para preocupações mais abrangentes ou prospectivas."
Fonte: CORDEIRO, Luiz Alberto; KOHLSDORF, Gunter Roland. Brasília: algumas especulações prospectivas. In: BICCA, Paulo; PAVIANI, Aldo. Brasília, ideologia e realidade: espaço urbano em questão. São Paulo, SP: Projeto Editores Associados, Brasília, DF: CNPq, 1985. p. 215-248.