1968
Brasil, São Paulo
ProjetoIdiomas disponíveis
Português
Colaborador
Ícaro Vilaça
O NOVO TRIANON, 1957/ 67
Lina Bo Bardi, 1967:
Em 1957 foi demolido o “velho” Trianon, centro político de São Paulo, responsável pelo lançamento de célebres candidatas, sede de reuniões e banquetes, terraço ensolarado (o único ou quase em toda a cidade), ainda vivo na lembrança das crianças de ontem.
Ficou um terrenozinho pelado em frente à “mata brasileira” do Parque Siqueira Campos, e, passando numa daquelas tardes pela Avenida Paulista, pensei que aquele era o único, único lugar onde o Museu de Arte de São Paulo podia ser construído, o único digno, pela projeção popular, de ser considerado à “base” do primeiro Museu de Arte da América Latina. A Prefeitura de São Paulo tinha aprontado um projeto de “logradouro” público, decente, mas que carecia dos requisitos sentimentais dignos da herança do velho Trianon. O tempo era curto, a firma construtora já tinha sido escolhida, as obras iam começar. Adhemar de Barros era o prefeito, J. Carlos de Figueiredo Ferraz, o secretário de Obras; recolhi os dados relativos a um museu popular moderno, a um centro popular de reuniões, coordenei um anteprojeto, telefonei a Edmundo Monteiro (diretor dos Diários Associados, que criaram, sustentaram e sustentam ainda hoje o Museu) e, juntos, fomos procurar o prefeito e o secretário de Obras.
Entusiasmo do prefeito (mas embaixo do belvedere ele queria um salão de baile, nada de teatro popular, como eu tinha projetado) e ducha fria do secretário de Obras: “não tenho dinheiro, o último foi-se para a “tartaruga” do Ibirapuera, que está caindo aos pedaços: mas parabéns pelo projeto, e pela idéia estrutural”. Edmundo não desarmou, pensou arranjar, ele, o dinheiro, e construir o grande conjunto. “Vamos à diretoria do Museu!”. Fomos. Mas a diretoria, e a presidência do Museu (Dr. Assis Chateaubriand), tinham acabado de assinar um acordo com Annie Penteado: o volumoso edifício da Fundação, projeto do projeto testador, revisado por Perret em articulo mortis e bastante maltratado por palpiteiros primários, seria a sede do futuro Museu de Arte de São Paulo, integrado com a incipiente Pinacoteca da mesma Fundação: aquela que sumiria anos depois. Fim.
Aceitei o convite do governo da Bahia para fundar e dirigir o Museu de Arte Moderna. Em 1960, telegrama: as obras do Museu – Trianon ia começar. O acordo Museu – Fundação tinha ido água abaixo (o “acordo” tinha acabado em discussões sobre quem devia ou não comprar o sabão para limpeza da Fundação - queria construir de qualquer jeito o “grande salão de baile” com o Museu de Arte de São Paulo em cima. Mas o belvedere devia ser “livre de colunas”, o pé-direito da construção acima dele devia ser de 8m, e a construção mesma não podia passar dos dois andares. E, embaixo, o “salão de baile”. Minhas tentativas para manter o teatro foram inúteis: devia ser salão de baile e nada mais. A firma construtora já tinha sido escolhida: a que tinha ganhado a concorrência.
Nada de colunas, 70 m de luz, 8m de pé-direito. Meu projeto só podia ser realizado em concreto protendido. Lembrei do ex-secretário de Obras, professor na Politécnica e na FAU, que tinha elogiado o projeto. Fui procurá-lo: “O senhor quer trabalhar de graça numa obra pública que vai ser da maior importância cultural para São Paulo? Eu trabalharei de graça, somente os desenhistas serão pagos”.
José Carlos de Figueiredo Ferraz aceitou. Assim começou a obra. Em 1960. Tive que enfrentar objeções dos técnicos da Prefeitura e da Firma construtora, que tinham dificuldades em aceitar, para o pretendido, “a prata da casa”, e queriam a patente Freyssinet; mas no fim tudo foi resolvido.
O nono Trianon- Museu é uma obra absolutamente nacional, desde o protendido até os vidros (que medirão 5,50m de altura). Bem, peço desculpas pela longa premissa, mas é que a cada dia recebemos perguntas e pedidos de esclarecimento a respeito do Trianon, que é obra pública, e como assumimos um compromisso com a coletividade, aqui vai nossa explicação, nossa tentativa de explicação daquele que foi, no começo, um (justificado, certo, mas foi) “ato de violência”. Ou um ato de Fé.
O novo Trianon - Museu é constituído por um embasamento (lado da Avenida Nove de Julho), cuja cobertura é o grande belvedere. O “salão de baile”, pedido pela Prefeitura de a957, será substituído por um grande Salão Cívico, sede de reuniões públicas (o salão de baile foi projetado com a esperança de vir a ser transformado). Um grande teatro-auditório e um pequeno auditório-sala de projeções completam este “embasamento”. Acima do belvedere, no nível da Avenida Paulista, ergue-se o edifício do Museu de Arte de São Paulo. O edifício, com 70m de luz, 5m de balaços laterais, 8 m de pé-direito, livre de qualquer coluna, apóia-se sobre quatro pilares, coligados por duas vigas de concreto protendido na cobertura, e duas grandes vigas para sustentação do andar que abrigará a Pinacoteca do Museu. O andar logo embaixo da pinacoteca compreenderá os escritórios, salas de exposições temporárias, biblioteca, etc. Ele está suspenso sobre duas grandes vigas por meio de tirantes de aço. Uma escada ao ar livre e um elevador montacarga em aço e vidro temperado permitem a coligação dos andares do museu e do grande salão. Todas as instalações, inclusive a do ar-condicionado, serão à vista. O acabamento é dos mais simples. Concreto à vista, caiação, piso de granito para o grande Salão Cívico, vidro temperado, paredes plásticas, concreto à vista com caiação para o edifício do museu, cujo piso está previsto em borracha preta do tipo industrial. O belvedere será uma “praça”, circundada de plantas e flores, pavimentada com “seixos” naturais, conforme a tradição ibero-brasileira. Estão previstos pequeno espelhos de água com plantas.
O conjunto do Trianon vai repropor, na sua simplicidade monumental, os temas, hoje tão importantes, do racionalismo.
Antes de tudo é preciso distinguir entre “monumental” (no sentido cívico-coletivo) e “elefântico”.
O monumental não depende das “dimensões”: o Parthenon é monumental embora sua escala seja a mais reduzida. A construção nazifascista (Alemanha de Hitler, Itália de Mussolini) é elefântica e não monumental na sua empáfia inchada, na sua não lógica. O que quero chamar de monumental não é questão de tamanho ou de “espalhafato”, é apenas um fato de coletividade, de consciência coletiva. O que vai além do “particular”, o que alcança o coletivo, pode (e talvez deva) ser monumental. “““ ““É uma idéia que pode ser “esnobada” por alguns países europeus que baseiam sua vida e seu futuro político numa falsa idéia de individualismo, num individualismo falsamente democrático de” civilização dos costumes”, mas que pode ser “ poderosa” num país novo cuja futura democracia será construída sobre outras bases. Mencionei acima o fato de “repropor” o racionalismo. O racionalismo tem que ser retomado como macro importante na posição contrária ao irracionalismo arquitetônico e a reação política que tudo tem a ganhar numa posição “irracionalista” apresentada como vanguarda e superação. Mas é necessário eliminar do racionalismo todos os elementos “ perfeccionistas”, herança metafísica e idealista, e enfrentar, dentro da realidade, o “incidente” arquitetônico. Por causas diversas devidas à administração pública, a construção do museu atrasou; alguns ‘incidentes” sobreviveram.
Uma solda mal executada e um corte excessivo nos ferros da armação dos quatro pilares obrigaram a uma protensão vertical que não tinha sido prevista, e o ulterior acréscimo dos pilares ficará como “incidente aceito” e não como um contratempo a ser disfarçado, alisado, escondido.
A obra arquitetônica é uma lógica de “proposições”, que difere da lógica dos “termos” que até hoje tem nos apresentado a cultura idealista. E como tal, passível de demonstração. E com tal, mais perto de uma ciência, Uma arquitetura pode se julgada em termos lingüísticos, do ponto de vista semântico, sintático e pragmático, quer dizer, segundo sua “transmissão informativa”, sua estrutura, sua formação histórica e sua eficiência sociológica. Mas todos esses componentes são os componentes de uma lógica de posições. E estas proposições são essenciais de conteúdo.
O grande teatro da Sydney Opera House é julgado hoje o máximo no setor de vanguarda. O exibicionismo estrutural, a elegância dos gráficos e das soluções formais parece apresentar aos nossos olhos alguma coisa de verdadeiramente novo. Mas a significação da obra seu resultado, seu julgamento lógico fazem dela um “teatro” tradicional no sentido mais comum da palavra, uma obra bem mais “reacionária”, teatralmente falando, da granja despida, da garagem pintada à cal, preconizada por Antonin Artaud.
Aos arquitetos de hoje, aos arquitetos dos países novos, em particular, que contribuem dia a dia para a criação da cultura de seus países, a empolgante solução do problema.
Eu procurei, no Museu de Arte de São Paulo, retomar certas posições. Procurei (e espero que aconteça) recriar um “ambiente” no Trianon. E gostaria que lá fosse o povo, ver exposições ao ar livre e discutir, escutar música, ver fitas. Gostaria que crianças fossem brincar no sol da manhã e da tarde. E até retretas e o mau gosto de cada dia que, enfrentado “friamente”, pode ser também um conteúdo.
A estrutura A futura sede do Museu de Arte de São Paulo encontra em sua estrutura um dos pontos altos da atual técnica de engenharia. Obrigada que fosse a acompanhar forçosamente uma arquitetura de todo simples, a estrutura, ponto central desta arquitetura, alcança a simplicidade em uma grandiosidade pura tanto pelas suas dimensões como pela clareza da solução.
Basicamente o prédio se divide em duas partes: a inferior, situada abaixo do nível da Avenida Paulista, e a superior, acima da mesma, separadas pelo grande belvedere. A parte inferior, que se compões em sua maior parte do Salão Cívico e dos dois auditórios, se impõe pela laje de cobertura que domina quase todo o ambiente, com as dimensões de 34 x 34 m. Com uma estrutura em grelha, apoiada na sua periferia em vigas de 1,50m de altura nas duas direções paralelas as bordas, cada 3,02m na apresenta momentos fletores principais da ordem de 3,00 tm.
Nesta parte também se fazem notar as duas escadas com14m. de balanço cada, engastadas em uma sapata, que por sua vez trabalha a torção.
As vigas que suportam a cobertura do auditório-teatro principal são simples vigas de concreto armado com 22m de vão livre.
A Parte superior do edifício, que conta com dois pavimentos e a cobertura, com área em planta de 2.100m², com 5m de balanços laterais, se apóiam apenas em quatro pilares vazados de 4,00 x 2,50m. Os esforços são levados a esses pilares, que suportam uma carga vertical de 2.300 t. cada, além de um momento fletor de 5 mil tm, por intermédio de quatro grandes vigas protendidas. Duas destas vigas suportam apenas a cobertura, com um vão total livre de 74m, recebendo cada uma o peso correspondente à largura de 15m de laje. São vigas do eixo da viga, graças a estarem assentes em um pêndulo com 6,70m de altura. Esta liberdade é essencial tendo em vista os efeitos de temperatura e retração. Os momentos fletores máximos no centro do vão são da ordem de 9 mil t., o que faz com que o concreto trabalhe a 250 kg/cm². As vigas, que são vazadas, possuem 62 cabos de 36 fios de 5mm cada.
As vigas que suportam os dois andares inferiores são também vazadas e resistem a um momento máximo no centro do vão de 20 mil tm. Possuem cerca de 122 cabos de 40 fios de 5mm cada, fios estes que resistem a 14mil kg/cm². A protensão total por viga é de 10 mil t. Nos seus 64m de vão livre as vigas recebem a carga de 35 t/m. As tensões (máximas) que aparecem no concreto são de 250 kg/cm². Para suportá-las foi executado um concreto com tensão média de ruptura à compressão em 28 dias de 580 kg/cm².
Os esforços que estas vigas devem ter liberdade para deslocamentos horizontais, caso contrário a protensão deformaria os pilares ao invés de pretender a viga, a solução encontrada para os mesmos foi a de apoio hidráulico, ou seja, apoio sobre bolsa de óleo, restringida por neoprene. O pavimento pendurado às duas vigas vence 70 x 30m, com uma laje de caixão perdido, em concreto armado com 50 cm de altura, enquanto aquela do pavimento superior, que fica apoiada sobre as vigas, apresenta laje de 4 cm apoiada sobre diversas nervuras.
Em resumo, o exposto é a síntese desta estrutura que resiste a esforços surpreendentes, procurando expressar com fidelidade o que a arquitetura comunica estética e funcionalmente.
Fonte(s): RUBINO, Silvana; GRINOVER, Marina. Lina por escrito: textos escolhidos de Lina Bo Bardi. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
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